«Duster», criada por J.J. Abrams e LaToya Morgan, combina uma tensão constante com os dilemas pessoais das suas personagens. Ambientada na década de 1970, a série inspira-se no estilo dos thrillers clássicos dessa época, explorando as fragilidades e contradições da natureza humana.
«Duster», disponível no streaming (que vai voltar a ser) HBO Max, aparece num cenário televisivo onde o thriller criminal continua a conquistar adeptos pela sua intensidade e complexidade. Aliada a uma certa nostalgia, a série apresenta uma estética mais associada aos anos 70, não apenas como pano de fundo decorativo, mas como parte integral da sua identidade.
Uma das suas mais-valias é a abordagem ao género: recusa-se a cair nos atalhos fáceis da violência explosiva ou dos arquétipos gastos. Em vez disso, «Duster» aposta numa construção narrativa mais lenta, que se foca nas motivações morais e psicológicas das personagens. A tensão cresce mais no silêncio do que no confronto, e isso exige uma atenção diferente por parte do espectador, mas que recompensa quem souber esperar.
Numa América marcada pela decadência do sonho e pela ascensão do crime organizado, «Duster» segue Jim (Josh Holloway), habituado ao submundo do crime, que vê a sua rotina abalada ao unir esforços com uma agente do FBI, Nina (Rachel Hilson), movida por uma missão quase impossível: derrubar um império criminoso enraizado. O que começa como uma aliança de conveniência transforma-se numa espiral de riscos, dilemas éticos e lealdades testadas, onde cada decisão pode ter uma consequência fatal.
Jim não é o típico anti-herói carismático. É um homem gasto, mais movido pela sobrevivência do que por qualquer desejo de redenção. Carrega no olhar a fadiga de quem já perdeu demasiado para acreditar em mudanças. Ao contrário de tantas figuras semelhantes no género, Jim não tem grandes discursos nem momentos de glória. O seu heroísmo, quando surge, é relutante, quase acidental, como se fosse apenas mais um erro no meio da confusão moral em que vive.
Já Nina, longe da imagem da agente federal implacável, revela-se vulnerável e obstinada, num equilíbrio entre idealismo e pragmatismo. A sua determinação não vem da sede de poder, mas de uma convicção íntima, quase desesperada, de que algo tem de mudar. A dinâmica entre os dois nunca se reduz à fórmula dos “encontros felizes”: é uma parceria forçada, desconfortável e cheia de zonas cinzentas, onde a confiança é uma moeda instável e a empatia, quando surge, é fruto da dor partilhada.
Há episódios em que a ação parece suspensa, como se a série pedisse ao espectador para respirar e absorver. Para uns, isso pode soar a lentidão; para outros, é um convite à contemplação de um mundo moralmente ambíguo. É que «Duster» não tem pressa em resolver conflitos ou em apresentar reviravoltas constantes. Essa escolha narrativa revela uma confiança alicerçada no poder do ambiente, da tensão acumulada e da complexidade interna das personagens.
A série não precisa de discursos para fazer crítica social. Basta mostrar o sistema por dentro. É nessa subtileza que reside grande parte da força da série: em vez de apontar o dedo, expõe realidades através de escolhas narrativas e personagens que carregam o peso de um mundo sem respostas fáceis. No fim, «Duster» não é apenas uma narrativa sobre crime ou fuga; é sobre a sobrevivência num cenário onde a linha entre justiça e compromisso moral foi esbatida. E essa ambiguidade talvez seja o retrato mais fiel da época que pretende evocar.
Texto originalmente publicado na Metropolis
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